Passei a enxergar a dor das pessoas ainda bem nova, penso que
fui acordada por Deus para o sofrimento
alheio no tempo que passei a fazer visitas para minha mãe em hospitais
psiquiátricos, até então era um mundo que eu não imaginava conhecer. Essas visitas
me obrigaram a aprender coisas e a fazer coisas que eu não havia feito antes,
tive que aprender andar de ônibus sozinha , conversar com adultos sozinha,
resolver problemas sozinha, nem todas as
vezes meu pai tinha tempo de me levar nas visitas, é engraçado pensar em uma
criança passando embaixo da catraca do ônibus para ir a um hospital
psiquiátrico e cuidando de assuntos que
naturalmente são assuntos de adultos. Quando recordo isso penso em Jesus criança no meio dos doutores e de como eu resolvia assuntos importantes
sozinha: matrículas em cursos, pagamentos de mensalidades, consultas em
hospitais, viagens com amigas ...
Na entrada do Hospital os responsáveis já tinham ordem para
me deixar entrar mesmo desacompanhada, quando eu ia sozinha ver a minha mãe, o
meu pai me dava dinheiro para comprar
frutas e outras coisas para que eu levasse para ela. O meu pai não era
irresponsável e me ensinava como deveria proceder com a minha mãe. Ele me
preparou para viver no mundo se ele não
estivesse presente. Todas as vezes que ele conversava comigo e eu pedia que me acompanhasse a lugares importantes
ele me respondia que um dia ele iria morrer e que estava muito gordo e por isso
poderia morrer a qualquer momento e eu precisaria aprender a viver sem ele, a
me virar...
Eu realmente levava a sério as suas palavras, e muitas vezes
quando criança levantava na madrugada e ia próximo onde ele dormia só para ter
certeza que ele estava respirando. Quando ouvia
ele roncar sabia que estava vivo, quando não ouvia nenhum barulho o
cutucava e falava :- Pai? Pai? O Senhor
está me ouvindo?
Quando ele acordava e me perguntava o que queria, respondia: - Nada, só queria ter certeza que o senhor
está vivo e bem.
Os pais falam algumas coisas para as crianças
e não imaginam que as crianças levam
tudo ao pé da letra. Quantas vezes eu sofri antecipadamente pela morte do meu
pai ou avós por causa das coisas que ele me falava...
Nessas visitas aos hospitais
psiquiátricos passei a ser atingida por fortes emoções, diria emoções fortes
demais para uma criança.
Uma das cenas mais marcantes foi o dia em que
cheguei ao Hospital e encontrei minha mãe com os braços roxos de tanto apanhar
das demais internas.
A minha mãe era bem magra, usava roupas do tamanho de uma
criança de 14 anos, quando cheguei ao Hospital e perguntei quem tinha batido nela
, ela me mostrou mulheres bem gordas e
fortes e eu chorei imensamente. Achava aquilo uma covardia e a pior das
injustiças pois a minha mãe não tinha nem 40 kg. Nesse dia olhei para os seus
braços frágeis e não diria que estavam roxos e sim pretos de tanto apanhar, as
outras internas queriam roubar uma sandália que dei de presente para ela e ela
resistiu, resistiu porém não evitou o roubo. Ela estava com os braços pretos e
dopada de remédios e eu imaginei que seus braços deveriam estar fraturados e
ela sem condições de falar devido a alta dosagem de remédios. Fui até as
enfermeiras e pedi que a atendessem e solicitei um Raio X, elas porém negaram, afirmaram
que se a minha mãe estivesse com os braços fraturados não estaria suportando a dor.
Não me conformei com a resposta pelo fato dela estar dopada de remédios e
chorei desesperadamente de enfermeiro em enfermeiro solicitando um Raio X. Lá
estava eu com 12 anos de idade solicitando aos prantos um raio X de funcionário
em funcionário no Hospital, nesse dia aprendi a interceder
por alguém indefeso.
Interceder por alguém
indefeso, sem condições de se defender e em situação de injustiça, foi assim
que Deus começou a me ensinar a interceder pelos mais fracos e pelos indefesos,
chorei imensamente por uma pessoa mais fraca e depois chorei por muitos
outros em situação de injustiça e indefesos que encontrei pelo meu caminho.
Não podia só chorar eu teria que agir, me
deparei inúmeras vezes por bloqueios e situações de injustiça e teria que arrumar forças
para resolver o problema. Finalmente consegui chamar uma enfermeira para ir até
ela, eu queria mudá-la de Ala, queria um raio X, queria ir embora e deixar ela
bem, queria ter certeza que não seria mais agredida.
Nesse
dia quando sai do Hospital, me encostei no muro, cai no chão e chorei sem
forças pois a imagem de mulheres gordas agredindo a minha mãe, imagem de loucos
correndo nus na outra ala, imagem de internos vindo até mim me confundindo com
seus familiares ,me chamando de filha, mãe, tia ,irmã eram forte demais para mim. Eu não suportava ver um interno chegar até mim e me confundir com seus familiares, eles achavam
que as frutas que eu levava para minha mãe seria para eles.
Foi aí que passei a
fazer a obra de Deus pois nessas visitas passei a levar frutas para os outros
internos e visitá-los como se eles também fossem da minha família. A minha mãe
comia bem pouco e eu levava muitas frutas então distribuía quase tudo com o restante
dos internos. Ao
invés de ter medo dos internos Deus fez nascer em mim um sentimento de
misericórdia, depois de um tempo eu não conseguia mais ir para esses hospitais
com coisas só para minha mãe, levava cachos e cachos de bananas, sacolas de
frutas , tudo com o dinheiro que o meu pai me dava...
Uma
realidade que eu tive que conhecer, que Deus me apresentou, a realidade existente
dentro de um sanatório...